Dentre muitas coisas que ficarão na nossa memória ao lembrarmos do ano de 2017, não podemos deixar de mencionar a comemoração dos 500 anos da Reforma Protestante realizada em 1517, evento religioso, mas de proporções além da igreja. Precisamente, hoje dia 31 de outubro de 2017 comemoramos oficialmente este marco para a história do Cristianismo. Ao olhar para essa ruptura histórica destacamos nomes de alguns homens de grande valor como Martinho Lutero, Filipe Melanchthon, João Bugenhagen, João Calvino, Ulrico Zwínglio e tantos outros. Na verdade, muitas pessoas, homens e mulheres se envolveram e até morreram por acreditarem que mudanças na igreja eram necessárias. Na época da Reforma e em outros contextos históricos, bastava que as mulheres soubessem fiar, cuidar dos trabalhos domésticos para que sua atuação fosse reconhecida. Não se esperava  de maneira alguma que elas se intrometessem nos assuntos da fé. Porém, o dever cristão estava presente em muitas delas e, ao tomarem conhecimento das boas novas da Reforma, as aceitaram e batalharam por disseminar a sua mensagem.


     O Ministério Susana Wesley traz neste dia um texto que fala sobre algumas vozes femininas da Reforma Protestante, sabemos que este reconhecimento é resposta de pesquisas recentes e que acaba sendo utilizado nos movimentos de empoderamento feminino, mas nosso objetivo é salientar que quando a mulher ocupa seu espaço na sub (missão) de qualquer história, ou seja, apoiar numa grande missão, tudo cumpre o seu propósito, pois é a razão de ser para a mulher que o Criador pensou e ao contrário do que se pensa, não há deméritos ou desqualificações envolvidas neste processo.


KATHARINA VON BORA 
 
“Minha querida Katy me mantém jovem e em boa forma também (risos). Sem ela eu ficaria totalmente perdido. Ela aceita bem minhas viagens e, quando volto, está sempre me esperando. Cuida de mim nas depressões. Suporta meus acessos de cólera. Ela me ajuda em meu trabalho e, acima de tudo ama a Jesus. Depois de Jesus, ela é o melhor presente que Deus em deu em toda a vida... Se um dia escreverem a história da Reforma da Igreja espero que o nome dela apareça junto ao meu e oro por isso.” 
Palavras de Martinho Lutero a um amigo sobre sua esposa Katharina Von Bora. Lutero entende o lugar de sua parceira quando declara estas palavras, sua preocupação é que o nome de Katharina aparecesse ao lado do dele, não atrás ou na frente. Essa preocupação era justificada, pois ela edificava o coração do seu esposo ao ler a bíblia para ele, conciliou as demandas da casa com a constante tarefa da hospedagem que havia no seu lar, já que por vezes até 25 pessoas chegaram a morar em sua casa, sem contar ela, Lutero, as crianças e os 11 órfãos de quem cuidavam. Havia também uma atuação intelectual, pois ajudou o reformador a traduzir as escrituras para o alemão. Contudo, sua atuação mais relevante era o amparo moral, espiritual e motivador que oferecia ao seu esposo, ao ouvir os seus desabafos e a segurança que demonstrava ao saber que ele podia ao ir pregar, não mais voltar, pois quanto mais ele pregava, mais inimigos Lutero ganhava. Anunciar o Reino de Deus e as verdades bíblicas, contrárias aos interesses dos poderosos, significava para Catarina poder ficar sem seu marido. Mas nela, ele sempre encontrava coragem para continuar realizando o que deveria ser feito, ela dizia: “Deus cuidará de nós. Não tema! Pregue!”.


MARIE DENTIERE 
Essa teóloga trouxe uma importante reflexão para as mulheres do seu tempo e para nós acerca dos estudos da palavra, num tempo de grande opressão para a mulher na sociedade. Antes católica, foi freira (abadessa) e passou boa parte da vida num convento agostiniano. Ela tinha acesso livre à biblioteca, onde encontrou os escritos de Lutero, seus olhos foram abertos à verdade e ela vivenciou o que é dito em João 8:32: “E conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”. Ela estava convicta de que a Bíblia é o único fundamento da verdade para uma vida santa e encorajava, principalmente, as mulheres a terem um espírito de ousadia e destemor para que não ficassem exiladas por entendimentos errôneos do papel da mulher. Ela escreveu, por exemplo, o prefácio para um sermão de Calvino sobre como as mulheres deveriam vestir-se, guardando o corpo com santidade. Este sermão foi impresso, o texto, confiscado pelo governo de Genebra, e o gráfico que o imprimiu, preso. Essas perseguições não foram suficientes a desmotivar Marie com inteligência e compaixão foi ao centro das questões religiosas da época. Certa vez, ao visitar o convento de Jussy, para tentar, convertê-lo à Reforma, ela fez uma das mais lindas declarações de fé: “Passei muito tempo na escuridão da hipocrisia. Mas somente Deus foi capaz de fazer-me enxergar minha condição e conduzir-me à luz verdadeira”. Certa vez, escreveu uma carta (Defesa das Mulheres) para a rainha Marguerite de Navarra, nela faz um apelo à rainha, para que esta intercedesse junto ao irmão, o rei da França, a fim de que se eliminasse a divisão entre homens e mulheres, pois elas também recebiam revelações que não podiam ficar ocultadas. As mulheres que apareciam nas Sagradas Escrituras apresentavam evidências claras de que podiam interferir na história, como sujeitas à vontade de Deus, como teólogas e defensoras das escrituras, e não deviam ser difamadas, caladas ou deixadas dentro de “prisões” impostas pela sociedade.

ARGULA VON GRUMBACH


Recentemente, pesquisas divulgaram esta célebre mulher, que saiu do silêncio da história. E é bastante interessante lembrarmo-nos dela. Sua origem nobre e conhecimento da bíblia já bem cedo, a partir dos dez anos, colocaram-na ao lado de um jovem professor que tinha sido aluno de Melanchthon e que não fora aceito na Universidade de Ingolstadt devido as suas ideias a favor da Reforma. Argula é reconhecida como a primeira escritora protestante. Escreveu cartas (tipo panfletos), que foram publicadas, defendendo os ideais do movimento da Reforma Protestante com conhecimento teológico e citações bíblicas, que fomentam a ideia da inclusão e igualdade na perspectiva das escrituras, como, por exemplo, Joel 2.28 e Gálatas 3.27-28. Sua contribuição à Reforma Protestante é indiscutível. Em sua apologia argumentou à Universidade de Ingolstadt: “Vocês desejam destruir toda a obra de Lutero. Nesse caso destruiriam o Novo Testamento que ele traduziu. Nos escritos de Lutero e Melanchton, não existe nenhuma heresia (...). Estou disposta a ir à Alemanha discutir com vocês e não precisam usar a tradução da Bíblia de Lutero. Podem usar a católica que foi escrita há 31 anos”.



CATHERINE ZELL
Esposa do influente pastor luterano Matheus Zell, escreveu panfletos que tinha o objetivo de propagar os impactos da Reforma. Com uma instigante inteligência e sabedoria, ela provoca reflexões sobre a doutrina do sacerdócio de todos os crentes, todas elas fundamentadas na bíblia. Contudo, sua atuação foi considerada perturbadora da paz, certa vez declarou: "Eu sou uma perturbadora da paz? Sim, de fato, da minha própria paz. Vocês chamam isso de paz? A perturbadora que ao invés de gastar seu tempo em divertimentos frívolos, visitou os infestados pela praga e realizou enterros? Tenho visitado os presos sob sentença de morte. Passo, muitas vezes, três dias e três noites sem comer e dormir. Eu nunca usurparia o púlpito, mas eu tenho feito mais do que qualquer ministro ao visitar os miseráveis. É isto que perturba a paz da igreja? Como fez o apóstolo Paulo em 2 Coríntios, as falsas acusações forçam a ‘loucura da autodefesa’, mas sempre com o propósito de defender um direito da mulher ao ministério bíblico”. Esta mulher provocou uma paz falsa que ainda faz parte da nossa prática cristã.


MARGARIDA DE NAVARRA

Irmã do rei Francisco I da França e esposa do rei Henrique II de Navarra. Ela foi hospitaleira, acolhendo em seu reino reformadores e eruditos perseguidos pelos inimigos da Reforma, entre eles o próprio João Calvino. Margarida escreveu algumas obras, entre elas encontramos um poema espiritual: O Espelho das almas pecadoras e também um livro de contos: O Heptameron. Nesta obra, ela denunciou a imoralidade de clérigos que, raivosos, tentaram tirá-la da história de forma brutal. Realizou algumas mudanças eclesiásticas em seu reino. A exemplo, cultos na língua do povo, abolição do celibato e das roupas litúrgicas dos ministros. Entretanto, seu maior destaque, foi sua grande humanidade, que era expressa não em palavras, mas em atitudes, a ponto de preferir ser chamada a primeira-ministra dos pobres. Acerca da sua generosidade foi escrito: “Lembremo-nos sempre dessa graciosa Rainha de Navarra em cujos braços nosso povo, ao fugir da prisão ou da fogueira, encontrou segurança, honra e amizade. Nossa gratidão a vós, querida Mãe de nossa Renascença! Vossa casa foi a casa de nossos santos e vosso coração o ninho de nossa liberdade”. Seu apoio ao povo e ao movimento fez uma grande diferença.
     Podemos citar tantos outros nomes como Olympia Morata, que pela expertise na língua grega lecionou em um dos primeiros seminários de formação de pastores. Também mulheres regentes, princesas e poetisas colocaram-se ao lado do movimento da Reforma Protestante, instituindo mudanças em seus reinados, como por exemplo, as princesas Elisabeth von Calenberg-Göttingen, Elisabeth von Rochlitz. Já Elisabeth Cruciger é considerada a primeira poetisa do movimento da Reforma. Ela escreveu um hino que se encontra no hinário na língua alemã até os dias atuais.
     Diante de tantos bons exemplos, é fácil constatar que as ideias revolucionárias da Reforma atingiram praticamente todas as esferas da sociedade, inclusive a vida das mulheres que erroneamente eram vistas de uma forma pejorativa e exclusiva, sobretudo na proposta do evangelho onde todos são iguais. Os exemplos que dividimos aqui neste espaço demonstram que estas mulheres usaram de toda a habilidade para apoiarem este tão importante movimento não só para a igreja, mas também para a história da humanidade.

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